Meshugá - Um Romance Sobre a Loucura - Jacques Fux

15 de fevereiro de 2017

Autor: Jacques Fux 
Páginas: 195
Ano: 2016
Editora: José Olympio
Gênero: Romance
Adicione: Skoob
Onde Comprar: Saraiva
Livro Cedido Pela Editora Para Resenha
Nota:      
Sinopse: Um intenso e profundo mosaico de histórias sobre o povo judeu e a ideia de loucura frequentemente relacionada a ele. Recheadas de humor e ironia, a compilação de novelas mescla histórias reais com muitas pitadas de ficção. O cineasta Wood Allen e a enteada, a filósofa Sarah Kofman e o enxadrista Bobby Fischer são alguns dos personagens que passeiam por estas páginas. Meshugá, além de envolver alguns temas clássicos (neurose, hipocondria, mães invasivas e superprotetoras etc.), desvela os mistérios da insanidade, do auto-ódio, do olhar perverso do outro e do erotismo tão característicos da produção intelectual desses judeus geniais.

Resenha: 
   Fiquei algum tempo olhando para o papel na minha frente, branco e prontinho para receber minhas palavras, enquanto pensava em como resumir esta obra. Pensei em todos os personagens, nos relatos, nos retratos, nos fatos e nas ficções, mas nada parecia funcionar. Foi aí que percebi que não dá para fazer um resumo (exatamente como ele deve ser feito) de tudo que esse livro trata. Dá para, assim como ele, só contar.

    A verdade é que nós mineiros adoramos contar uns casos por aqui e por ali. É uma alegria muito grande, amamos um bom dedo de prosa. Muitas das vezes, em nossas infindáveis listas de novos casos, acrescentamos uma, ou duas ou muitas coisas que de alguma forma relatam algo que sentimos, vivemos e somos. Não conseguimos evitar, faz parte de nossa natureza, faz parte das montanhas gerais. E Jacques Fux, como qualquer bom mineiro, traz alguns casos salpicados com suas próprias reflexões para nos contar. De princípio, fiquei assustada com a profundidade do tema. A loucura tem essa mania de assustar primeiro, conversar depois. Então, passado o susto, começamos a conversar.

    A primeira que conheci foi Sarah Kofman, a brilhante escritora que vivia em um constante conflito de pertencimento de suas raízes. Depois veio Woody Allen, o grande cineasta que conta suas próprias lutas em seus filmes nada Hollywoodianos. Os filmes falados agora são um pouco diferentes, estrelam Ron Jeremy, o idolatrado ator pornô que fez mais de 1500 filmes. Voltamos no tempo, até a vida de Otto Weininger, um jovem que se matou porque não conseguia aceitar seu verdadeiro eu. 

Com alguns números somos apresentados à Grisha Perelman, o homem que dedicou sua vida à matemática e aos problemas concretos e reais que ela desenvolve. Daniel Burros chega então, com toda sua sagacidade e intensidade para abalar as estruturas da Ku Klux Klan. Do outro lado, está Bobby Fishcer e sua rainha, rei, torre, peão, cavalo e bispo, seus amigos verdadeiros e leias. Agora, quase acabando somos levados ao século XVII, para conhecer aquele que por muitos foi considerado o grande Messias, Sabbatai Zevi. Por fim, é do próprio narrador que saem as palavras pessoais e é a luta dele que passamos a conhecer.

    Nove pessoas, nove cabeças, nove histórias que aconteceram em tempos diferentes, países diferentes e com pessoas diferentes. Mas todas tem a mesma palavra em comum: Meshugá. O judeu louco. Os nove o encontraram em algum momento da vida. Eles se depararam enfrentando as próprias loucuras e o próprio passado. Nove judeus que negaram suas raízes, sua família e sua cultura encontraram outras coisas para depositar sua raiva, seu ressentimento e seu sentimento de exclusão. Alguns se voltaram para a escrita, outros para o xadrez, para o sexo, para o extermínio, mas no fim eram desculpas para não ficarem sozinhos pensando no monstro que os destruía: eles mesmos. Odiavam o próprio povo e colocavam a culpa de toda sua infelicidade nos maus augúrios que acreditavam que os seguiam ao nascerem judeus.

    Jacques Fux pegou personalidades já existentes e em cada uma delas desenvolvem um lado da loucura que os afligiam, ou afligem (nem todos morreram). Além disso, ele apresenta alguns estereótipos carregados pelos judeus ao longo de toda a existência desse povo e amarra com as personalidades que reconta. Fala da perversão, do humor, da ganância e do sofrimento. O livro é ao mesmo tempo sério e satírico, profundo e acessível e me trouxe muito que eu ainda não sabia (o que sempre dá muitos ponto a mais para o livro). De todos apresentados eu só conhecia a figura de Woody Allen e mesmo assim sabia só de um lado de sua história.  

    Aprendi muito com esta obra que trata, acima de tudo, de pessoas que renegaram a si por um sentimento dirigido a todos. A escrita não é fácil, é subjetiva e muito filosófica e precisa de muita reflexão sobre as palavras. Não trata de romance, nem de uma história com final feliz, as reflexões que ele propõe vão muito além do simples relato de algumas vidas. É uma outra perspectiva sobre a vida e sobre a forma de ver o mundo. Como eu disse antes, não dá para fazer um resumo de tudo que ele fala. Para saber é só ler e refletir. É impossível fechar este livro sem antes pensar muito sobre ele e os questionamentos e reflexões permanecem ainda um tempo dentro de nós. E livros são para isso, não é mesmo? Nos obrigar a pensar fora da caixinha que somos aprisionados todos os dias. 

   Por fim, o sofrimento não é culpa dos judeus. Não é culpa do sexo. Não é culpa da genética. Não é culpa de Auschwitz. É culpa do Meshugá.


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